quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Crônica da Carta de amor de um ano

"Um ano corresponde ao intervalo aproximado de tempo que a Terra demora para completar uma volta em torno do Sol." 
Fonte: Wikipédia

Amor não é uma ciência exata, não caia nessa. Dizer em alto e bom som que completar um ano ao lado da pessoa que você ama é apenas somar 365 dias com ela é tão absolutamente simplista que me faz querer socar a parede no maior estilo Adam Driver (não que eu tenha chorado -pouco- nesse filme. Me desculpe se te acordei no susto fungando que nem doida, Meu Amor. Eu não me dei conta que esse não era bem o filme certo pra se assistir as oito da manhã enquanto a pessoa ao seu lado ainda está dormindo).

Tem dias que eu quero chutar todo mundo que eu vejo direto na cara, tamanho meu mau humor; e, acredite em mim, esses são os piores que existem. Quem faz uma retrospectiva citando só os melhores dias ao lado da pessoa amada é bastante covarde; não que eles não importem, sabe? Pelo contrário, são as boas memórias e os momentos felizes que a gente vai contar pros netos e pra desconhecidos na fila do banco quando envelhecer. Mas o que dita mesmo o que o seu relacionamento é, e toda a dinâmica da existência dele, com certeza são os dias ruins. Sabe aqueles dias que você tem dor de barriga a caminho do trabalho,  que falta um ingrediente importante no meio do bolo e você não tinha percebido antes de começar a receita, ou perde dinheiro que caiu do bolso da calça na esquina da lotérica, fica com raiva do padeiro porque ele ainda não assou o seu pãozinho favorito e a fornada só vai sair depois que você já estiver a caminho do trabalho, o dia que a unha quebra na pontinha, em diagonal, e você é obrigado a cortar todas as outras pra deixar igual, quando você bate com o dedo mindinho na quina daquele maldito armário que não combina com o restante da decoração da sua sala, herdado de uma tia distante que não o queria mais, ou o dia que você corre pra pegar o ônibus na saída do trabalho, perde o mais vazio (mesmo depois de correr de maneira vergonhosa e destrambelhada pela rua com a bolsa a tiracolo) e tem que ir no posterior, lotadíssimo. Esses sim são os dias que descrevem com louvor a importância de se ter alguém do lado. Dividir e conquistar, já diria Júlio César.

Quando eu fui pro hospital com dores homéricas de estômago, ele estava ao meu lado. Foram horas intermináveis esperando na fila, a emergência estava lotadíssima. Enquanto isso, eu chorava e me contorcia, reclamando que ia morrer (não que eu seja dramática, vocês me conhecem, até parece!). 
Quando eu tive que largar pela trilhonésima vez o maldito curso lá na UFSC porque precisava trabalhar, ele segurou minha mão, disse que ia ficar tudo bem, que ia dar tudo certo (e deu mesmo, que boca santa. Fala que vamos ficar ricos!!).
Quando eu cheguei em casa preocupada e enlouquecida porque tinha uma aluna ameaçando suicídio, ele calmamente me deu todo apoio do mundo pra buscar soluções e ajudar a menina. 
Quando eu acordei no meio da noite chorando desesperada de saudades da Ceci (que estava passando a semana na casa da vovó, alheia a todo meu drama inútil), ele foi enérgico para acalmar o desespero e afável para curar a melancolia.
Ele passou firmemente ao meu lado todos os dumppings, enjôos pela falta de b12, dores de dente, dores de barriga, dores de cabeça, dores de gases que pareciam infartos, dores no pulso de tanto escrever no quadro, dores invisíveis na alma por causa de saudade, dores nos olhos de tanto ver televisão no escuro, dores de torcicolo por causa do travesseiro da loja de dez reais que eu cismei em comprar, dores nas pernas de tanto caminhar porque inventei de vir andando do Kobrasol até a Serraria, dores da queimadura que fiz no braço quando usei a panela de pressão enorme do terreiro pela primeira vez e acabei encostando do lado de dentro enquanto mexia a galinha ensopada, dores da cólica menstrual que eu tenho só quando é o ovário do lado direito que ovulou, dores de garganta, dores de ouvido e até dores de cotovelo. Ele esteve ao meu lado mesmo, com a convicção de um enfermeiro cuidadoso. 
Eu sei que nós fomos à balada, ao bar, passeamos na praça, conhecemos restaurantes novos, comemos coisas diferentes, pagamos caro e pagamos barato em várias coisas, demos risada da cara de quem fez bolão dizendo que nós não duraríamos nem dois meses a cada mês que passava, escolhemos uma casa nova, escolhemos outra casa nova maior ainda no mês seguinte, nadamos na piscina, usamos roupa combinando no candomblé, fizemos compras no atacado usando aquele carrinho grandão, cozinhamos juntos e até sobrevivemos a isso sem um bater com a panela na cabeça do outro, fizemos milhares de contas pra descobrir a data em que a gente se conheceu oficialmente (para os curiosos, foi dia 20 de maio de 2007, um sábado a noite, na praça do Centro histórico de São José. Bebemos gin com guaraná e demos risada da cara de uma inimiga em comum que era nariguda.), elegemos uma série favorita e assistimos tudo de uma vez só, demos risadas do que não podia, ficamos noivos na festa dos outros, aprendemos um com o outro, debatemos sobre milhares de assuntos madrugada a dentro e não conseguimos acordar pro compromisso do outro dia, planejamos viagens pra lugares inusitados só pela culinária local, inventamos piadas internas desbocadas tão absurdas que as pessoas não entenderiam nem se a gente explicasse, pegamos sol demais só de ir na padaria meio dia e ficamos combinando com a cara cor de rosa, fizemos massagem nas costas um no outro e depois fomos no massagista (quiroprata, sei lá) juntos pra arrumar, fizemos um milhão de churrascos só pelo prazer de tacar fogo em tudo que tinha dentro da geladeira, fomos ao cinema, fomos a festivais, passamos frio, passamos calor, fizemos e refizemos um bilhão de novos planos juntos. Mas, mesmo pensando em tudo isso, meus momentos favoritos com ele ainda são os que, depois de um dia exaustivo e horrível, eu deito naquele vão entre braço-ombro-peito, na posição koalinha -sabe quando um koala abraça uma árvore? Tipo aqueles dedoches dos anos 90 (será que isso ainda existe????)- e relaxo, porque sei que ele está comigo.

E isso, meus amigos, é o amor. Isso é o retrato real de 365 dias ao lado de quem se ama! Hão de existir dias cansativos, dias de desavença, dias de serenidade. Hão de existir momentos de risada, de choro, de raiva, de tédio existencial.

E hão de existir dois, juntos, formando um só. 

"Ano:
a.noˈɐnu
nome masculino

1.  tempo que a Terra gasta para dar uma volta em torno do Sol
2. tempo que o Sol gasta numa revolução aparente em torno da Terra
3. período de cerca de 365 dias ou doze meses
4. produções ou rendimentos obtidos durante este período
5. idade
6. aniversário de nascimento 
7. Festa de aniversário 
8. Tempo que Deborah e Tunico estão juntos

Do latim: annu"