quarta-feira, 20 de junho de 2018

Tua Moira

Dizes que teço teu destino
Que minhas linhas controlam tua vida
Que te corto à fria navalha o cordão 

Disponho das gélidas mãos de Átropos 
Entrelaço fios predestinados
Sou tudo: Nona, Décima, Morta.

Dances conforme decido tua existência 
Ajoelhes perante tua sina em subserviência 
Moldando tua amarra ao tecido da essência 
Giro, então, tua roda da fortuna.



D. Bruno 

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Memórias de Clareira



"Essa lembrança que nos vem às vezes...
folha súbita
que tomba
abrindo na memória a flor silenciosa
de mil e uma pétalas concêntricas...
Essa lembrança...mas de onde? de quem?
Essa lembrança talvez nem seja nossa,
mas de alguém que, pensando em nós, só possa
mandar um eco do seu pensamento
nessa mensagem pelos céus perdida...
Ai! Tão perdida
que nem se possa saber mais de quem!"
                          Mario Quintana
  Sinto uma gota pesada cair sobre meu nariz. Limpo com as costas da mão, enquanto dou uma risada da cena. Chove torrencialmente; tudo está encharcado e enlameado, menos o banco de madeira embaixo de uma grande e antiga árvore. Os galhos, volumosos e em grande quantidade, não deixam as gotas da chuva tocarem o chão daquela área. É como uma clareira em meio a uma enorme floresta inundada.
  Ele abre um sorriso, se divertindo com a cena. Mesmo protegidos pela árvore, mantemos o guarda-chuva aberto, sem nenhum motivo aparente. Ele me puxa para perto de seu corpo, passando o braço pelo meu ombro. "Aqui não vai chover em você", ele diz, com sua voz sobrepondo o barulho da chuva batendo nas folhas.
  Eu poderia ouvi-lo falar o dia inteiro. O som de sua voz é algo difícil de descrever, mas a sensação que me causa é muito clara. Com uma simples frase, consegue fazer meu estômago gelar. Não de uma maneira ruim, como num susto, mas de uma maneira boa, como quando tomamos sorvete num dia quente de verão; é um gelado confortável e familiar.
  Quando dou por mim, já estamos nessa posição há aproximadamente trinta minutos, conversando sobre amenidades e bobagens. Cada segundo que passa, eu pondero as consequências que se seguiriam caso eu tomasse a iniciativa de beijá-lo, enquanto torcia para que ele o fizesse primeiro.
  "Eu poderia ficar nesse lugar pra sempre" - ele diz, respirando fundo - "Eu amo a natureza." Ele fecha os olhos, como quem absorve o momento. Eu me aproximo ainda mais de seu corpo, tocando meus pés nos dele. "Eu também", respondo.
  Ele abre os olhos e parece finalmente me notar ao seu lado. Com seus longos dedos, pega quase que em câmera lenta uma mecha de cabelo e a coloca atrás de minha orelha, liberando a visão do meu rosto corado. Sua mão pousa delicadamente em minha nuca, e nossos olhos se encontram. Sinto o pulsar acelerado do meu coração na ponta dos dedos das mãos, frias com o vento que a chuva traz.
  "Eu realmente poderia ficar aqui pra sempre", ele diz.
  Essas são as palavras que guardo em minha memória quando penso nele. Com elas, recordo daquele momento: daquela árvore, daquele banco, daquela chuva, daquela proximidade, daqueles dedos longos, daquelas batidas do coração. Recordo até o gosto de seu beijo.

Por fim, ele conseguiu ficar mesmo lá para sempre.
Em minha memória.



D. Bruno

Visita Policial

Luz no ocre
manchada
Sobras de uma cena 
macabra
Vermelha como teu medo.

Pegadas marcadas
no escuro
O corpo cinéreo
futuro
Notícia malvinda tão cedo.


                       Batidas na porta.

D. Bruno